“
O Homem faz questão de ser visto, de estar cercado de bulha, de sorrisos embora sem profundidade afectiva, sem o calor sincero das amizades, nessas áreas, sempre superficiais e interesseiras.
O medo de ser deixado em plano secundário,
de não ter para onde ir, com quem conversar,
significaria ser desconsiderado, atirado à solidão”
Joanna de Ângelis & Divaldo Pereira Franco
O ser humano é um ser sociável por natureza, o que pressupõe que interaja e integre diferentes grupos sociais. Quando tal não acontece, dissecam-se os solitários por opção ou diferentes formas de discriminação e de exclusão social.
Neste domínio, os mais velhos, parecem ser alvo de eleição, constituindo, segundo Luísa Pimentel (2002), “provavelmente, o exemplo mais completo e, contudo, menos óbvio, de discriminação e exclusão social a todos os níveis: económico, social, familiar, no domínio da saúde e da qualidade de vida”.
Facto é que o próprio fenómeno de envelhecimento, acarreta em si, realidades cruéis, traduzidas em formas de exclusão - ainda que de forma mais ou menos visível, elas existem – sendo exemplo disso o isolamento social ou solidão que se verifica.
Note-se: o número de pessoas idosas a viver sós tem vindo a aumentar significativamente, assim como o risco de isolamento dos idosos é cada vez maior. Segundo dados do INE (2001), em Portugal, 19% dos Idosos vivem sós. Manuel Neto, menciona o número de pessoas que vivem sozinhas, sem família ou companheiro que é cada vez maior, nas grandes cidades da Europa e da América. Muitos psicólogos, defendem que este grupo está mais exposto a sofrer de doenças físicas e psíquicas, na medida em que o seu sistema imunológico se revela menos estável, menos forte e mais predisposto à contracção de doenças crónicas.
Também o predomínio de uma sociedade industrializada, das inovações tecnológicas, de arquitecturas pouco adequadas às limitações dos idosos e as baixas reformas, vêm contribuir fortemente para o isolamento social desta população.
Cada vez mais, os filhos de pessoas idosas, se vêem confrontados com o problema de não apresentarem condições para tomar a cargo os pais idosos, mais visivelmente, quando se vive em cidades e apartamentos. Manuel Neto, dá o exemplo de Paris em que “muitas mulheres idosas vivem nos últimos andares de prédios muito antigos (80% construídos antes de 1914) o que em parte, explica o seu isolamento (…) evitam subir ou descer escadas ou utilizar os meios de transporte concebidos apenas para pessoas ágeis”.
A população idosa já não ocupa o lugar de prestígio, sabedoria e respeito de há uns anos atrás. São ultrapassados, pela criatividade, conhecimento e actividade dos mais novos. Veja-se, o próprio mercado de trabalho, não imprime grande fiabilidade às pessoas mais velhas (mesmo antes dos 65 anos), acreditando sim, no dinamismo dos trabalhadores jovens. Tira-se a visibilidade aos mais fracos, aos mais vulneráveis, excluindo-os e projecta-se, desta forma, o consequente sentimento de inutilidade, impulsionador de isolamento social.
O próprio contexto desta fase da vida do indivíduo, promove factores embrionários de solidão – a idade da reforma, a situação de viuvez, a sensação de “ninho vazio” e a pobreza e exclusão social.
A reforma, por exemplo, poderá ser uma fonte de risco para a solidão, na medida em que se apresenta intimamente ligada à qualidade de vida e bem-estar. A pessoa em idade de reforma, sofre ou não com as alterações à rotina que tinha em idade activa, consoante, aceita ou não essa mudança e de como a vive. O corte natural que se regista nas relações sociais do indivíduo reformado, pode ser ofuscado e mesmo substituído, consoante o mesmo investe ou não numa vivência positiva e activa em sociedade.
A viuvez, por seu turno, constitui-se um momento trágico na vida do indivíduo e que ocorre, pela naturalidade biológica, em “idade idosa”. Neste momento, verifica-se uma ruptura a nível pessoal, familiar e social, coexistindo, sentimentos de desilusão com a vida, o que pressupõe uma adaptação e alteração do grupo de amigos. Salienta-se, neste contexto, a dificuldade de adaptação na velhice, bem como a sensação de “ninho vazio” pela perda do cônjuge que podem provocar sentimentos de solidão e/ou mesmo isolamento social entre outros. A revista Medizin Populaer (in Manuel Neto), revela que “o extremo stress que representa a perda do cônjuge, faz com que muitos percam a alegria de viver. Além disso, muitas pessoas deprimidas alimentam-se mal e algumas, em especial os homens, procuram consolo no consumo excessivo de álcool”.
Outra realidade que vivem os idosos, é o sentimento de distanciamento dos filhos. Sabe-se que “o quotidiano dos indivíduos é cada vez mais complexo e agitado. As famílias nem sempre têm os recursos necessários ou a disponibilidade para cuidar dos seus familiares idosos (…) Há pessoas idosas abandonadas, completamente esquecidas, largadas em instituições de qualidade duvidosa ou esquecidas em pequenos apartamentos degradados e isolados do exterior” (Luísa Pimentel, 2002).
Este cenário parece agravar-se ainda mais, quando analisadas situações extremas, como o suicídio. De acordo com Souto Lopes (1989), a tendência para o suicídio, vai aumentando significativa e proporcionalmente à idade que se tem. As pessoas socialmente isoladas, solitárias, solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas, assim como pessoas eliminadas do processo de trabalho ou privadas do seu antigo estatuto social, constituem-se grupos de risco, em termos de suicídio tardio – ao que a população idosa parece enquadrar-se perfeitamente…
Releva-se, assim, a solidão enquanto sentimento (em que o indivíduo se sente só no meio da multidão) e enquanto estado ou situação social (em que não se tem ninguém para conviver), que despoleta uma experiência subjectiva, psicologicamente desagradável, quando a rede de relacionamentos de uma pessoa é deficiente e que, consequentemente, se manifesta, na actualidade, como um dos mais graves problemas que desafiam a cultura e o próprio Homem. Assim, de acordo com Paula Marques, “ a solidão reflecte essencialmente uma discrepância subjectiva entre os níveis de contactos sociais desejados e realizados, podendo atingir dimensões psicopatológicas”.
Barreto (1984) faz referência aos níveis mais elevados de solidão, em classes mais baixas, facto este, justificado pela existência de poucos interesses específicos e uma baixa capacidade de ocupação em actividades de satisfação pessoal – o que poderá estar relacionado com o fraco nível de instrução escolar, por exemplo.
Clarifica-se, contudo, que viver só não é sinónimo de se viver solitário! Tal como, todo o ser humano, necessita de algum momento de estar só, consigo próprio. Mas, ninguém gosta de se sentir só! A confirmar estas ideias, está o contributo de Ângelis & Franco a referir que “ o silêncio, o isolamento espontâneo, são muito saudáveis para o indivíduo, podendo permitir-lhe reflexão, estudo, auto-aprimoramento, revisão de conceitos perante a vida e a paz interior”.
Então, imprime-se aqui, a necessidade de prevenir situações de solidão, sendo a receita: a vivência do envelhecimento de forma activa, combatendo a solidão a ele associada, a aceitação das perdas e o apoio informal. Para tal, deixam-se algumas dicas: passar mais tempo com a família (fazer refeições com os filhos, ir buscar os netos à escola), associar-se a diferentes grupos de actividades (exemplo: ginásio, centros de convívio, excursões), passar o tempo na companhia de amigos (visionar um filme, jogar cartas, passeio a pé, viajar, ter um animal de estimação) … No fundo, o prazer que se pode tirar da realização de actividades de que se gosta, pode ser o passo nº1 para evitar a solidão!
BIBLIOGRAFIA:
Souto Lopes, Jaime (1989), “Suicídio nos Idosos”, Geriatria 2, 14, 31-37)
Pimentel, Luísa (2002), Comunicação “Formas de Exclusão das Pessoas Idosas: Entre o Invisível e o que Não Queremos Ver”, apresentada no I Congresso da Figueira da Foz sobre Exclusão Social.
Fernandes, Hélder (2005), Apresentação “Solidão na Velhice”, Workshop de Gerontologia, UTAD.
http://dn.sapo.pt/2004/12/06/sociedade/solidao_tambem_mata_so_idosos_como_j.html
http://cidadaniactiva.blogs.sapo.pt/arquivo/286472.html
http://www.ajornada.hpg.ig.com.br/doutrina/mat-0055.htm
http://saude.sapo.pt/gkBp/233124.html